
Vivemos o Tempo Pascal, marcado pela alegria da Ressurreição de Cristo, de sua vitória sobre a morte. A luz de Cristo, anunciada na Vigília Pascal, afasta definitivamente as trevas do pecado. Sim, Cristo Vive e é vencedor! Mas afinal, o que Ele venceu?
Santo Agostinho de Hipona nos ajuda a entrar no âmago desta questão: “Vamos investigar a origem da morte. O pai da morte é o pecado. Se nunca houvesse pecado ninguém morreria. O primeiro homem recebeu a lei de Deus, isto é, um preceito de Deus, com a condição de que se o observasse viveria e se o violasse morreria. Não crendo que morreria, fez o que o faria morrer; e verificou a verdade do que dissera quem lhe dera a lei. Desde então, a morte. Desde então, ainda, a segunda morte, após a primeira, isto é, após a morte temporal a eterna morte. Sujeito a essa condição de morte, a essas leis do inferno, nasce todo homem; mas por causa desse mesmo homem, Deus se fez homem, para que não perecesse o homem. Não veio, pois, ligado às leis da morte, e por isso diz o Salmo: "Livre entre os mortos" [Sl 87].” 1
Na Ressurreição, Cristo venceu a morte, o pecado, a desobediência, e o pai de todos os males, a serpente original, que por inveja introduziu a morte entre as criaturas.2
Certamente por isso, Satanás ainda se esmera em propagar, ainda que sutilmente, uma cultura de morte, seja física (aborto, eutanásia etc.) ou seja moral (liberdade sexual, injustiça social, agressões à dignidade humana etc.), todas voltadas indubitavelmente à morte espiritual.
Se examinarmos as Sagradas Escrituras, vamos verificar que a palavra “morte” é citada 484 vezes. Realmente é um número considerável. Em contrapartida, a palavra “vida” aparece nas sagradas escrituras 1.066 vezes, mais do que o dobro de vezes da palavra “morte”3.
Se nos ativermos apenas à relação numérica desta constatação, aliando-nos ao fato de que toda a Revelação está voltada à Pessoa de Jesus Cristo, poderemos concluir que a Revelação é essencialmente portadora de um anúncio de vida, e vida nova conquistada com a vitória de Cristo sobre a morte.
Sim, a obediência de Jesus transformou a morte em bênção!4
O Magistério da Igreja é claro em afirmar: “Pela sua morte, Jesus nos liberta do pecado, pela Sua Ressurreição ele nos abre as portas de uma vida nova”.5
Assim, é fácil concluir que se não quisermos permanecer na morte, precisamos nos permitir uma experiência com Cristo Ressuscitado. E uma experiência diária.
Em certas questões a experiência é fundamental. Não é sem motivo que Bento XVI na Encíclica Deus Caritas Est incentiva a experiência do amor de Deus e do amor fraterno. Ele nos fala que podemos experimentar ser amados por Deus e que o caminho para o amor passa pelo reconhecimento do Deus vivo: “O encontro com as manifestações visíveis do amor de Deus pode suscitar em nós o sentimento da alegria, que nasce da experiência de ser amados. Tal encontro, porém, chama em causa também a nossa vontade e o nosso intelecto. O reconhecimento do Deus vivo é um caminho para o amor, e o sim da nossa vontade à d'Ele une intelecto, vontade e sentimento no ato globalizante do amor.” (Deus Caristas Est, 17) 6
A Bíblia nos relata a experiência de algumas pessoas com Jesus após sua Ressurreição, das quais vamos citar apenas duas; a primeira delas, Maria Madalena e a última, Saulo de Tarso.
Maria Madalena foi o primeiro ser humano a quem Jesus apareceu após a Ressurreição. Foi dela que Jesus expulsou sete demônios, e era uma das mulheres que auxiliavam Jesus e os discípulos enquanto pregavam. Ela e outras mulheres seguiram Jesus desde a Galiléia quando ele foi para Jerusalém no final do seu ministério, tendo também caminhando com ele a subida do calvário. Neste monte, ao pé da cruz de Jesus, teve seu seguimento interrompido para ser retomado no dia da ressurreição, pois havia permanecido ao lado da sepultura observando onde depositariam o corpo do Senhor. 7
O Evangelista São João8 nos narra que no dia da Ressurreição Maria Madalena foi ao sepulcro de manhã bem cedo e viu que a pedra que fechava a porta do túmulo havia sido removida. Depois de ir correndo dizer a Pedro e ao discípulo amado que haviam tirado o corpo de Jesus do Sepulcro, e depois dos dois terem constatado que o sepulcro estava vazio, Maria permaneceu do lado de fora, chorando.
Olhou para dentro do sepulcro e viu dois anjos que lhes perguntaram por que chorava. Ela lhes falou que chorava porque haviam levado o corpo de Jesus, e ela não sabia onde estava. São João prossegue: “Ditas estas palavras, voltou-se para trás e viu Jesus em pé, mas não o reconheceu. Perguntou-lhe Jesus: Mulher, por que choras? Quem procuras? Supondo ela que fosse o jardineiro, respondeu: Senhor, se tu o tiraste, dize-me onde o puseste e eu o irei buscar. Disse-lhe Jesus: Maria! Voltando-se ela, exclamou em hebraico: Rabôni! (que quer dizer Mestre).” (Cf. Jo 20,14-16).
Costumava-se chamar esta mulher de Maria Madalena porque ela era da cidade de Magdala. Usa-se dizer que Maria Madalena teria sido uma prostituta, e não é difícil concluir que esta mulher poderia sentir-se inferior aos demais discípulos, tendo em vista sua vida antes de experimentar o amor e a salvação de Jesus. Ela já caminhava há muito com o Senhor, mas ouvir a todos chamarem-na de Madalena talvez soasse para ela como uma seta constante apontando de onde viera, o que fazia antes...
Ao chamá-la pelo nome, Jesus venceu a morte da auto-imagem de Maria. Para Jesus, ela era Maria, só Maria; nada de Madalena. É assim que Jesus Vivo lhe vê. Ele vê você, só você... E ao chamar Jesus de “Raboni”, Maria estava em verdade sendo empossada no seu devido lugar, lugar de discípula, pois se alguém chama outrem de mestre é porque tem intenção se seguir os seus ensinamentos.
Assim, mesmo que se confirme que Maria Madalena houvesse sido prostituta, todos dela se lembrarão como sendo a primeira discípula a se encontrar com Jesus Ressuscitado. E mais: Maria não reteve para si sua experiência, foi contar a todos que Jesus está vivo e que havia se encontrado com Ele...
O Ressuscitado também apareceu a Saulo de Tarso, o “último dos apóstolos”, cuja fama de perseguidor dos cristãos era tão sólida quanto o seu ódio pelo Cristo e por aqueles que faziam parte de sua Igreja nascente.
Sua última missão de morte era ir até Damasco e ali dizimar qualquer um que se dissesse cristão, e impedir o anúncio da doutrina deste “tal Jesus Nazareno”. Saulo era temido pelos cristãos, e não temia ninguém... Aquele homem poderoso só não contava com uma coisa: que o próprio Cristo viesse encontrá-lo e lhe perguntasse: “Saulo, Saulo porque me persegues?” (Cf. At 9, 4).
O relato da conversão de Paulo9 é uma das páginas mais belas dos Atos dos Apóstolos, pois nos faz pensar no poder da ressurreição de Jesus que é capaz de fazer um homem poderoso como Saulo cair com o rosto em terra, arrancar-lhe as escamas da velha serpente que cegou Adão e Eva, derrubar-lhe a altivez das idéias, dos conceitos e preconceitos e dar-lhe vida nova.
Em Saulo o Cristo vivo venceu a morte causada pelo ódio, pela discriminação, pela imposição do que entendia ser justo mediante força e violência; enfim, causada pelo orgulho e pelo mau uso do poder.
O Ressuscitado transformou Saulo em Paulo (que significa “pequeno”). Aquele que deseja ser grande, embebido no poder da Ressurreição do Senhor se vê pequeno, se autodenomina o menor dos apóstolos10 , mas torna-se responsável pela propagação da fé em Cristo entre os não judeus.
Todos conhecemos – experimentamos – os frutos do seu ministério que foi adubado com o sangue do seu martírio que derramou em prova do seu amor por Cristo.
São Paulo registra que o Ressuscitado apareceu de uma vez a mais de quinhentos irmãos, além de aparecer aos Apóstolos11, e se pudéssemos entrevistar cada uma destas pessoas elas nos relatariam minuciosamente qual seria a “morte” que Cristo Vivo venceu em suas vidas.
Não é possível se encontrar com Jesus Vivo sem ter em si conseqüências... Não é possível experimentar o Ressuscitado sem permitir que ele vença o que é morte...
Eu também encontrei o Ressuscitado. Lembro-me bem da primeira vez, quando e onde... Lembro-me bem das outras vezes, de todas... Poderia alongar este texto narrando estas experiências e relatando quais foram as mortes que Ele venceu em mim. Mas não foi só em mim que ele venceu muitas mortes. Inúmeras pessoas que conheço também podem relatar vitórias da ressurreição do Senhor sobre áreas pessoais entregues a pecados como desobediência, dúvida, incredulidade, rebeldia contra Deus, entre outros. Quantas mulheres e homens “velhos” temos visto se renovando a partir da experiência da ressurreição de Cristo. São as madalenas e os saulos de nossas famílias, de nossas comunidades, de nossos ambientes de estudo, trabalho e lazer.
E então... O que você está esperando para também encontrar Cristo Ressuscitado? Ah! Não sabe o caminho?! É mais curto do que você imagina. É tão fácil que poderá ser percorrido de olhos fechados. Vai de sua mente ao seu coração. Feche os olhos para não se distrair com o mundo e ore falando sinceramente para Jesus que deseja encontrá-lo. Pronto! Terminou. É simples mesmo. Mais do que isso é atirar palavras ao vento. Diga-lhe o que deseja e espere. O resto é com ele. Aproveite este Tempo de Páscoa. Ele é propício para um encontro com Jesus. Coloque-se como Maria Madalena, São Paulo e tantos outros na presença do Ressuscitado, certo de que Ele Vive e deseja vencer tudo o que ainda é morte em sua vida: talvez uma falta de perdão, talvez o desânimo no seu Ministério, talvez a sensação de uma vida de oração morna, quem sabe uma solidão dolorosa, quem um ímpeto de findar a própria vida...
Permitindo que esta experiência se renove diariamente, você olhará para a sua vida e perguntará: “Onde está ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão” (Cf. Os 13,14)? Enfim, sua vida será uma vitória de Cristo e você será um vencedor com Ele. Aliás, será mais do que um vencedor...12
Silvia Paula Monteiro da Costa
Ministério "Vaso Novo"
Notas:
1 - in Antologia dos Santos Padres, Sermão da Ressurreição do Senhor cf. Marcos.
2 - Cf. Sb 2,24.
3 - Cf. Bíblia Católica Digital “Boa Nova”.
4 - Cf. Catecismo da Igreja Católica (Catec.) 1009 e Rm 5,19-21.
5 - Cf. Catec. 654.
6 - In www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/
hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est_po.html, acessado em 02/4/2006.
7 - Cf. Lc 8,1-3; Mt 27,55-56; Mc 15,40-41.45-47.
8 - Cf. Jo 20-1-18.
9 - Cf. At 9, 1-9.
10 - Cf. I Cor 15,9.
11 - Cf. I Cor 15, 6-7.
12 - Cf. Rm 8,37
Originalmente publicado no Site da RCC-Brasil: http://www.rccbrasil.org.br/formac/biblioteca/show_textos.php?link=bibliot&aba=formac&grupo=artigos&nome=txt_000136.php&titulo=A%20Experiência%20da%20Ressurreição